quarta-feira, 18 de abril de 2018

Visita

Eu achei que ela já tivesse ido embora. Pensei que nunca mais escutaria as batidas secas na porta nas tardes ensolaradas só lá fora. Eu poderia não abrir, mas as batidas são duras, constantes e ela por sua vez é insistente. Ela, a mesma de antes. Fazia tempo. Como lá fora se faz Sol, abrir a porta se torna tentador para a entrada da luz necessária, mas ela acabaria entrando junto e talvez até ofuscaria a tal luz. Depois de uma desafiadora despedida, dizer “olá” novamente é difícil. Pensei que não nos reconheceríamos. De fato ela está mudada em certo ponto. Falamos dialetos diferentes mas a base da língua permanece a mesma, fomos alfabetizadas assim. Confesso que estava com um pouco de saudade, mas acredito que ela já não se enquadraria mais onde veio fazer morada. Queria que só um certo lado dela ficasse, mas seria impossível dissociar um lado do outro. Tenho que me lembrar que ela já se foi uma vez. O que faz aqui de volta? Se eu abrir a porta e ela não quiser mais sair. Não conseguirei hospedá-la da maneira correta. Já não sou tão boa anfitriã, pelo menos para ela. E mergulhada na dúvida cá estou eu escutando as batidas quase que insuportáveis. (Francis Helena Cozta)

Talvez

O cheiro do amaciante na roupa é forte. Isso soa conforto. Um pequeno acalanto para um coração palpitante, inseguro. A insônia que havia deixado de ser companheira, volta a dar as caras. Sensações guardadas para um dia serem esquecidas fazem lembrar de quem se era. Quem se era ou quem ainda se é? Se transformar é duro. A mudança exige muito. Um peito repleto de dúvidas. Uma mente que tenta ser sensata. Um nó na garganta e o choro que vem. Para cada lágrima um questionamento. Um certo desgaste regado a comparação. É preciso lembrar-se de quem se está se tornando para não diminuir-se. Escolha ou necessidade? Um processo rumo a um futuro incerto. Tudo é incerto afinal. E dói. Talvez o nome disso seja medo. (Francis Helena Cozta)