sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Precipício

É como estar num precipício com uma parede nas costas. Quando se decide pela mudança de algo, enquanto ela não ocorre, parece que o ar vai ficando escasso e respirar se torna cada vez mais difícil. A cobrança soa como marteladas insuportáveis e persistentes. A decisão de mudar era justamente para que esse barulho ensurdecedor cessasse. Lembra que foi uma escolha? Já está decidido que se quer uma nova vida, mas enquanto ela ainda não chega, é preciso lembrar que se tem esta aqui. A antiga vida ainda está aqui, consistente e sob controle. Olhar para o precipício gera desespero, mas é preciso lembrar que existe uma porta na parede das costas, e ainda dá pra entrar por ela quantas vezes forem preciso. (Francis Helena Cozta) 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Libertação

 

É como se desfazer de uma roupa que já não serve. Não! É como trocar de pele. Não foi de uma hora para outra, e acredito que não será passageiro. Só um sabe das transformações silenciosas e vagarosas que ocorrem dentro de si. Nada a ver com crise, cansaço ou vontade de desistência. É tranquilo, calmo, pensado e refletido. Nenhuma mudança será abrupta, pois a maturidade impediria tal feito. O comprometimento segue presente, pois é algo que mais tem a ver com a personalidade do que com a função especificamente dita. É como o despertar num dia nebuloso, mas com a serenidade da consciência de que a névoa é efêmera. Não ser mais isto (não por força das circunstâncias, mas por escolha) gera a esperança de poder ser tantas outras coisas que ainda nem se sabe. É como descobrir que agora se tem asas. Aquelas antigas preocupações se vão. Nunca, absolutamente nunca se imaginou que algo assim pudesse acontecer. Libertação. As lágrimas de alegria não mais tiradas da tal paixão, nesse momento brotam por perceber que algo findou. Até parece uma despedida. E talvez seja o início de uma. Não há mais a necessidade em suprir expectativas externas ou de outrem, nem as expectativas auto impostas fazem mais sentido. Não existe mais ansiedade nem a inquietação “de conseguir” que sempre estiveram latentes e tão impertinentes. Que loucura! Mas a sanidade é quem está presente. Então se aceita que mudou. As chaves da minha própria gaiola agora estão nas minhas mãos. Certas coisas não fazem mais sentido. De certas coisas eu não gosto mais. (Francis Helena Cozta)

sábado, 3 de dezembro de 2022

O Permanente é Sufocante

Eu sempre morei na mesma casa e estudei na mesma escola.

Achava mágico quem mudava de escola, de casa, de amizade. Para mim, isso era sinônimo de coragem e me despertava curiosidade. 


Não me considerava uma criança corajosa, pelo contrário, eu era sempre a mais medrosa, ao meu ver, na época, mas quando me recordo das minhas decisões, atitudes e situações pelas quais passei, hoje percebo o quanto eu era corajosa sim.


Não era uma coragem óbvia, pois como muito bem já disse Clarisse, “eu tenho medos bobos e coragens absurdas.”


Voltando ao tema, com a maturidade, percebi que eu gosto da mudança, da mutação, da novidade, de começar de novo e de novo sempre que necessário para mim.  Sentir-me pressa é extremamente desgastante. O imposto, o rótulo, o óbvio são como uma prisão, o oposto da liberdade.


A permanente restrição de “ter de ser” (ou parecer), me sufoca. O de sempre me cansa (e cansa mesmo), desagasta. 


Eu preciso de novos livros, novos filmes, novas músicas, novos trabalhos, novas amizades, novas pessoas, novas histórias.

Eu preciso renovar meu repertório de referências, de experiências, de cores, sabores, sensações, de arte… se não minha criatividade acaba estagnando, e isso para mim é como uma morte, a morte da minha arte.


Foi desafiador entender essa personalidade e ao mesmo tempo banca-la. 


Nada parecido com rebeldia ou transgressão. Nada disso! É muito mais simples e leve do que talvez possa parecer, até porque, eu também sou entusiasta do consciente, do racional, do responsável, do prudente, do seguro.


A segurança tem papel fundamental na liberdade.


Eu gosto de escolher, mesmo que escolher seja sempre escolher o mesmo restaurante, o mesmo prato, o mesmo filme, a mesma roupa, a mesma pessoa; Mas por escolha, não por imposição.


A liberdade me fascina, e, para mim, ela está completamente alinhada com a coragem.


Eu flerto com a coragem. E por não ser a ausência do medo; A instabilidade, o impermanente, a mudança, estão completamente ligados a ela. Coragem. (Francis Helena Cozta)