terça-feira, 29 de dezembro de 2020

R e T r O s P e C t I v A

R e T r O s P e C t I v A

Quando parei para olhar para esse ano me dei conta de que tivemos uma vida nos dois primeiros meses e meio do ano e tivemos tantas outras (bem loucas) nos meses seguintes. Esse ano prometia muitas coisas e vieram tantas outras tão tortas e tão alinhadas ao mesmo tempo. O ano começou extremamente fitness e terminou sedentário. Teve passeio com a família e encontros com a mamãe. Teve viagem legal, mas estranha. Teve um baita troço doido que nos trancou em casa e por isso acho que nunca falei tanto com minha mãe e minha irmã, e filosofamos tanto (lógico que por chamadas de vídeo, quase todos os dias). Teve dente quebrado, doação de sangue, cirurgia nos olhos, peregrinação por todas as especialidades médicas, bichinho internado, tudo no meio de uma pandemia. Mas também teve libertação, ruptura, firmeza e coragem. Quando olhamos o álbum de fotos de alguém, não estamos assistindo o filme daquela vida. Fotografias são pequenos recortes de momentos com subtextos muito mais profundos do que podemos supor. Aliás, suposição e especulação são palavras que ficarão em 2020, pois esse ano nos mostrou de tantas formas que por mais que achemos que sim, de nada sabemos. Quantas lições ainda a serem digeridas esse ano mestre nos trouxe. Assenta-te, encontra-te, pondera e liberta. (Francis Helena Cozta)

Falta

O ano em que meu cérebro trabalhou absurdamente, mas meu corpo parou. Sinto falta da sala de dança, da sala de ensaio, do palco do teatro. Meu corpo pede por expansão. Nunca em toda a minha vida fiquei tanto tempo sem esse contato com o teatro e com a dança, e consequentemente com meu corpo. Além de ser meu instrumento de trabalho, ele necessita de expansão, de contato, de fluidez. Hoje quando vi esse corredor de luzes, pensei: -“vou rapidinho ali fazer um arabesque.” A calça jeans, o tênis, a máscara atrapalharam meu corpo enrijecido, pois também sinto falta da roupa de aquecimento, da malha de dança, do surrado trapo de ensaio. (Francis Helena Cozta)

Aforismos de quinta (em qualquer sentido)

 Aforismos de quinta (em qualquer sentido).

• Não é porque alguém se diz indignado com algo, que esse alguém não aja igual a própria indignação.
• A vantagem de culpar o vento pela desordem é a compaixão recebida de quem também se esqueceu de fechar a janela.
• Como a maioria pode ter razão se a minoria é quem tem conhecimento.
• Especulação é curiosidade fantasiada de opinião.
• Muitas vezes em nome do altruísmo se cometem as maiores barbáries.
• A problemática não está no que é feito e sim por quem foi feito. E assim nasce a hipocrisia.
• Do que eu não sei, apenas não sei.
(Francis Helena Cozta)

Aforismos Dominicais

 Aforismos dominicais:

• O preço da eterna boa reputação é a prisão da coerência.
• Para o especulador curioso a indiferença gera mais ódio do que o ódio propriamente dito.
• O óbvio esperado quase sempre beira o vulgar.
• A impotência é uma carro ligado no ponto morto.
• A cobrança pela empatia nunca é empática.
• A imposição por igualdade soa como tirania e não como liberdade.
• A comparação é uma blasfêmia. Como comparar Da Vinci com Michelângelo se cada um é único?
• Kundera (quase) sempre tem razão (e Hemmingway também).
• Só é possível ser livre aquele quem se permite ser incoerente.
• O que é negligenciado, perece. O que é cultivado, cresce.
• O impensável nem sempre é improvável. Disney e Dalí criaram “Destino” juntos.
(Francis Helena Cozta)

Escrevo-te

Escrevo-te na divagação do “não sei o que”, pois assim me permito hoje. Assim escreverei por três vezes seguidas. Já disse que é porque me permito hoje? Hoje decido ser diferente e não sufocar a vontade da expressão, mas fazê-la a minha maneira. Quem vê de fora deve pensar: -“Até parece que ali existe algum sufocar ou algo do tipo.” Pois é, isso não combina com o pássaro que abriu a própria gaiola. Algumas vezes penso assim e também não entendo. Na verdade entendo sim. Ainda há um certo nevoeiro que permeia as idas e vindas dos pensamentos a despeito das tais escolhas. Todavia não há total clareza que é possível só ser e não mais ter de escolher. Só sei que hoje se está assim e essas fotos me remetem a frase “para reger a orquestra é preciso dar as costas à plateia”, mesmo que a música tocada seja para que ela aprecie. (Francis Helena Cozta)