terça-feira, 10 de agosto de 2021

Talvez

Se passos antes não fossem dados, hoje a compreensão seria diferente e assim de melhor assimilação. Haveria (talvez) um certo frisson inerente ao ser antes sem tantas elocubrações e com mais devaneios, por assim dizer. O tempo, os livros, os novos aprendizados já enraizados, os novos ensinamentos já incorporados, que agora estranhamente parecem mais atrapalhar do que engrandecer o processo. Só parecem, pois talvez, não seja exatamente assim que aconteça. De fato está diferente. O desafio agora é outro. Como conciliar tudo isso? Ter a certeza de que quase nada está sob o autocontrole, para esse momento, chega a ser como um afago macio. Eu não disse que está diferente? Espere, talvez (mais um vez) esteja exatamente aí a fonte da possibilidade de aprendizado. Bom, nesse quesito pode se dizer que nada mudou, pois a princípio de onde nada viria, sempre se dá um jeito de tirar proveito. Dessa vez sem fantasia, e é exatamente aí que talvez entre a “magia”. (Francis Helena Cozta)

O que Ninguém Vê

Me lembrei de uma peça que fazia anos atrás onde tinha uma bonita movimentação do cenário feita pelo elenco em cena. Eram como blocos muito grandes, pesados e difíceis de carregar. Deles, saía um pó que ia sujando muito o palco ao longo da peça. A cada movimentação, a poeira aumentava. Lembro de fazer a peça com chiclete no canto da boca para me “hidratar” de alguma maneira, e tomava água e fazia inalação até o último instante de entrar em cena, pois sou bem alérgica e morria de medo de perder a voz. Ficamos em cartaz num teatro tradicional (que não existe mais) no centro de São Paulo. Os blocos eram tão grandes que tinham de ser retirados pelo saguão até o estacionamento, pois não cabiam na coxia. Após o espetáculo, os mais fortes carregavam os blocos, enquanto o restante (elenco e técnica) esfregavam o chão do palco. Era poeira grudada que não acabava mais. Ironicamente eu fazia um famosa campanha publicitária de produto de limpeza na tv. Usávamos esse, dentre outros produtos para esfregar o placo até sair todo o pó. Tínhamos que entregar o palco após a peça como o encontramos. A administração do teatro exigia isso da nossa produção. Nos limpávamos na medida do possível, passávamos perfume e íamos receber o público no saguão do teatro. A espera um tanto longa gerava o questionamento sobre a demora dos atores para receber a plateia. Mal sabiam eles que estávamos agachados esfregando as tábuas das quais havíamos pisado para fazer o espetáculo do qual eles tinham acabado de aplaudir. O aprendizado da vida muitas vezes vem através de rituais “sagrados” como esse: o de esfregar o próprio local de trabalho antes de “ser recebida pelo público”. (Francis Helena Cozta)