quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Atrizes e hotéis

Tem algo de mágico em quartos de hotéis.

É uma solidão estranha. Você chega cansada depois de um dia de trabalho, e aquele espaço anônimo se torna sua casa por alguns dias ou talvez apenas por algumas horas. A janela desconhecida é um portal para uma cidade que talvez nunca mais te veja.

Acordar num quarto de hotel é acordar meio perdida. Que cidade é essa? Que história que eu tô vivendo agora? Algumas cidades são tão marcantes que dá vontade de ficar. Outras são passagens, como personagens que entram e saem do palco da vida da atriz.

Atrizes e quartos de hotel têm isso em comum. Ambos são feitos de presenças passageiras. Nem os quartos e nem as atrizes aprendem a dizer adeus. Apenas deixam ir.

O inverno sempre passa, apagando cicatrizes, mesmo quando o verão decide acabar cedo demais. E talvez seja justamente nesse vai e vem de cidades, palcos e camarins que a atriz aprende que sua vida não é fixa, mas feita de memórias, de personagens e de vidas que chegam e partem, talvez para nunca mais voltar… ou talvez não. (Francis Helena Cozta)

Completamente solitário

Não existe nada mais gostoso do que se sentir seguro em cena.

Nada se compara a sensação de olhar no olho do parceiro de cena e mergulhar nele sem medo, porque aqui dentro eu sei o que eu estou fazendo, ou seja, eu tenho total controle sobre o que sai da minha boca, sobre os movimentos do meu corpo e o que vem a seguir na cena.

Essa sensação só é alcançada quando temos total domínio da fala, da música, da coreografia.

Para ter esse domínio, existe um trabalho pregresso que é COMPLETAMENTE SOLITÁRIO.

E para mim, ESSE é o verdadeiro trabalho do artista.

É preciso mto além de “decorar” o texto, as músicas, as coreografias… É preciso se apropriar delas. Para isso é preciso horas de solidão e de auto confronto.

Ler o texto em voz alta até ele sair sem eu precisar pensar nele. Lavar a louça falando o texto, tomar banho falando o texto, fazer qualquer coisa rotineira falando o texto, até ele ser “tão meu” que eu já nem penso mais nele. 

E aí, por não pensar nele, eu consigo olhar pro meu colega de cena e me entregar. 

E não há nada que se compare a essa sensação. 

Falar, falar, falar o texto em voz alta. Escutar, escutar, escutar, cantar, cantar e cantar a música até não aguentar mais. Assistir o vídeo da coreografia e errar, errar, errar até acertar. 

O trabalho do artista é anônimo, repetitivo, solitário e silencioso. E só não é invisível porque podemos expor todo esse esforço de maneira “tão natural” no palco. 

(Francis Helena Cozta) 

Amanhã

Amanhã eu me despeço de você 

Rituais de despedida são necessários 

E como, de alguma forma, você ainda está em mim

Amanhã eu me despeço de você 

O rompimento interno, por vezes, é preciso ser posto a prova por fora

Amanhã eu me despeço de você 

Sei que você já não está mais em mim

Mas preciso mudar pra ter certeza 

Parece algo tão irrisório 

Mas a vontade de mudança está tão forte cá dentro 

Preciso me desgarrar de ti

Amanhã me despeço de você 

Amanhã me despeço de você como quem faz a contagem regressiva do réveillon 

Pois, para mim, parece que todo o vivido esse ano, já é ano passado 

Quantos anos cabem em um único ano?

Amanhã me despeço de você para dar continuidade ao novo ano, pois aquele findou em mim 

Mesmo que tudo que eu esteja vivendo pareça ser uma continuação do mesmo ano, aqui dentro não é

E, então, por fora, amanhã eu me despeço de você 

Eu preciso me testar, me pôr a prova, ver qual é que é

Preciso me olhar e não te reconhecer em mim

Já fiz algo parecido, mas diferente

Ou diferente, mas parecido… não importa 

O que importa é que amanhã vai ter despedida 

E quando tem despedida, tem outro começo 

Eu amo começos 

E é por isso que amanhã eu me despeço de você

(Francis Helena Cozta)

🩶🤍