domingo, 18 de março de 2018

Conto 1 / Eles

O relógio batia as 19. Já estavam atrasados. Como pôde um café passar tão rápido. Ainda tinham tanto a dizer, e ainda tanto a ficar em silêncio. Se encararem era tarefa difícil. Se olhos são espelhos da alma, como encarar de frente outra alma que lhes inquietavam tanto. Voltam as atenções para a realidade. Pedem a conta, vão até o caixa. Quando ela abre a bolsa, ele diz: -“Deixa que eu pago.” Ela, forte, empoderada, que faz questão de dividir, se derrete diante do pequeno ato de cavalheirismo. Então pede o motorista no aplicativo... 11 minutos. Tudo isso, que absurdo. Para eles, mais um pretexto para ficarem mais um tempinho juntos. Falam trivialidades, ou não. A certa agonia num misto de razão e emoção toma conta. Ela olha o celular para ver se o tempo no aplicativo diminui, ao mesmo tempo que tem vontade de fixar seus olhos nos dele. Ele não se importa com o motorista. Ela faz que se importa. Na verdade deveria se importar, eles estão no mundo real, mesmo que estejam numa bolha onde só eles é o que realmente importa naquele momento. Ela precisa pôr os pés no chão. Liga pro motorista, que diz estar chegando. Que pena. O carro chega. Eles saem do café, pisam na calçada, e num ato de coragem e ousadia, ela pega na mão dele. Ele, sem encara-lá, concede e segura a mão dela. Eles não se entreolham, mas sorriem. Tentam sugerir que foi o ato mais natural possível e não dizem uma palavra. Corações palpitantes. Caminham 70 metros até o carro. A maior caminhada de mãos dadas. Eles entram no carro. Já não estão mais a sós. (Francis Helena Cozta)

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