terça-feira, 31 de março de 2020

Espera

Até então estava tudo bem. Entendi racionalmente que teria que ficar em casa, pois todos os meus trabalhos foram adiados (sem trabalhar, não recebo) e moro com uma pessoa do grupo de risco (que também não está trabalhando e recebendo), ou seja, sair de casa não é uma opção para mim. Entendi minha condição e não me vitimizei em momento algum. Estamos todos no mesmo barco, cada um com seu fardo a ser carregado nesse momento. Mas hoje resolvi arrumar minha bolsa, tirei o desodorante que sempre levo comigo, um item ou outro de maquiagem, a carteira, minhas cópias do meu registro de atriz que uso nos testes, e... a agenda com o marca texto parado na sexta-feira passada. Me dei conta que não usarei a bolsa de novo tão cedo, então guardei-a vazia no armário. A bolsa esvaziava enquanto meus olhos se enchiam de lágrimas. Percebi que a vida de algum modo parou. É estranho não pegar o telefone toda hora pra ver se chegou mensagem da agência perguntando sobre um teste, não organizar tudo para a correria maluca do dia seguinte: o material do curso, a roupa da academia, o lanche, a garrafa de água, as coisas do trabalho daquele dia. Apertaram um pause nos sonhos que estavam em andamento para serem realizados. Sonhos construídos degrau por degrau com tanto esforço. A impressão é que saí da minha vida pra viver a vida de outra pessoa que não sou eu. Minha mente entendeu o que está acontecendo, mas como explicar pro meu coração que aquilo ali que a gente tanto planejava e queria estava pertinho; e que agora teremos que esperar. O artista está muito acostumado com a espera. Ele espera aparecer o teste, espera a resposta do teste, espera muito na gravação ou no ensaio, espera o trabalho ir pro ar, espera que o teatro tenha público, espera o cachê quase sempre atrasado. Mas confesso que essa espera de agora está diferente. Por hora caro artista, diga pro seu coração que seus sonhos estão adiados e que mais uma vez, você terá que se acostumar com ela, mesmo já sendo especialista nessa arte... a arte da espera. (Francis Helena Cozta)

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