Em Dom Casmurro, Machado de Assis (através de Bentinho) descreve Capitu com “olhos de ressaca”. Essa expressão se refere aos olhos que arrastam tudo para dentro si como uma ressaca do mar. Reles amadora que sou, preciso pedir permissão a ti, Machado, pois me apoderei de sua expressão, mas fiz minha devida adaptação. Machado, eu sou apaixonada por certos olhos que passam boa parte do tempo semi-cerrados. A sensação que eu tenho é que esses olhos nunca se abrem por completo, e talvez seja isso que me instigue tanto. São olhos doces com uma pitada de malícia. Quando esses olhos entreabertos se cruzam com os meus meus, me sinto trêmula e salva. Pareço uma menina e me esqueço um pouco de quem sou. Ou na verdade, é aí, que eu me lembro de quem sou. Apenas me desvio desses olhos -fechando os meus- quando ouço de pertinho a voz grave mais deliciosa que já ouvi, ou quando me perco em sua boca. Machado, te entendo tão bem, pois também tenho um amor com olhos de ressaca. Não a mesma ressaca do mar da sua Capitu. O meu amor tem olhos de ressaca mesmo… Daquelas do dia seguinte, com ar de sono, que deixa a gente mole, leve, entregue, com sorriso bobo e forte inquietação interna. Desde que esses olhos me chegaram, a leve ressaca presente neles, de alguma forma foi transferida a mim também. Me tornei boba, febril, com as pernas instáveis e sorriso de canto boca o tempo todo. Machado, ao mirar esses olhos, quem se sente embriagada sou eu. (Francis Helena Cozta)
Que delícia de texto!
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